quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Boa Governação: Uma Arte



Parte I - Os Pressupostos Elementares

Há um aspecto central na governação que pode ser apanhado do mundo da música. A arte musical pode deter compositores de grande talento, mas só raras figuras, como Maria João Pires, podem ressuscitar a bela sonância de uma pauta inerte. São artes bem distintas, a do compositor e a do instrumentista ou "maestro de orquestra". O mesmo acontece na política, um governante não é um compositor de fundamentos ideológicos, e não é, certamente, um criador de correntes de pensamento político. Muito pelo contrário, um governante alimenta-se destas criações, absorve as mesmas; é, em suma, um executor.
Daqui não podemos inferir que o governante é uma espécie de actor que memoriza um guião, sem critério ou escrutínio. O governante fundamenta, intuí, projecta, traduz, sintetiza, e, para ser sincero, sou levado a crer que tudo isto é terrivelmente complexo. Quantos e quantos de nós, em tertúlias, em cafés, nas comissões políticas, ou nos congressos, vimos pessoas com profunda erudição teórica política?
Eu, pelo menos, já vi muitos. O mesmo não posso dizer de governantes ou líderes políticos, estes são em muito menor número, e, os dignos de nota ou registo, contam-se pelos dedos. A partir desta evidência empírica, o primeiro pressuposto que quero transmitir é que a política é uma genuína arte, uma rara e difícil confluência de características intelectuais e emocionais, de carácter e de personalidade, num único ser, mulher ou homem.
Sendo a política uma arte, em que esta consiste? Vou tentar responder a esta questão, na Parte Segunda deste artigo, para já tenho outro objectivo, pretendo clarificar alguns pontos que acredito serem pertinentes no contexto desta exposição.
A política é muito dada ao confronto, a antagonismos, ao conflito, seja no âmbito pessoal, seja na vertente de acção pública. Dito isto, quero lançar uma ressalva, este artigo é sobre boa governação, não é, definitivamente, uma defesa ou repúdio de uma linha de pensamento, mas sim uma exposição dedicada à praxis política. Esta afirmação é um pretexto para dizer que uma boa governação não é, necessariamente, de direita ou esquerda, social-democrata ou socialista. Uma governação idónea, e capaz, é independente do emaranhado político em que está - usando a expressão de Fernando Rosas - «empapada».
Uma boa governação não se define a montante, mas pelos resultados a jusante. O esqueleto político de um programa de governo pode ser ideologicamente impecável, mas isto não significa que os resultados sejam brilhantes. E este ponto é essencial, pois a governação pode ter várias nuanças de ordem qualitativa, mas, em última análise, são dados concretos e quantitativos que contam, sem esquecer, nunca, que estes, nem sempre, prefiguram-se de forma imediata.
O corolário parece-me evidente: quando se defende uma acção política, não basta rotular a mesma de "social-democrata", "socialista", "democrata-cristã", "de esquerda" ou "direita". A política compromete-se sempre com resultados, e digo mais, a política compromete-se com diferentes sensibilidades sociais, económicas e políticas, muitas vezes, irrefutavelmente contraditórias. Isto nunca pode ser ignorado, e, deve obrigar o governante a ponderar a sua acção e discurso. Digo «ponderar», não querendo sugerir que o confronto não possa ser inevitável, a acção política raramente agrada a todos, a política é arte do possível, mas um bom político, busca, invariavelmente, "o melhor output possível ao seu alcance".    
O nosso bom amigo Nicolau Maquiavel, sempre que defendia um argumento ou posição, ia buscar casos reais que serviam de exemplo ou garantia para o que estava a postular, e eu aqui, tentarei fazer o mesmo. Os dois casos que encontrei servem tanto de exemplo para a esquerda, como para a direita: o primeiro é o Dr. Alberto João Jardim; o segundo é Lenine.
O Dr. Alberto João Jardim pode ser criticado de várias maneiras, algumas delas veiculadas por mim próprio, mas algumas das suas qualidades podem servir de exemplo para todos nós. Alberto João Jardim governou a região por muito tempo, usando sempre os meios ao seu alcance não só para garantir proveitos, como para produzir resultados. A força eleitoral sempre serviu de peso e contra-peso, de legitimidade e de arma de arremesso, para trazer investimento ou financiamento. Isto é, porém, o que toda e qualquer pessoa pode atingir.
Há uma qualidade em Jardim, que é menos conhecida e, muitas vezes, ignorada. Jardim sempre foi um "hábil gestor de ambições", sempre fez usufruto dos preceitos pessoais e individuais, para manter a máquina de governação operacional. Muitos podem alertar que a máquina fez estragos, que alimentou vãs glórias e pura ganância, mas, parafraseando a minha bisavó materna, "há quem diga que não se faz omeletes sem [partir] os ovos...mas esses idiotas também deviam acrescentar que para ter ovos é preciso dar milho às galinhas."
Ou seja, Jardim, lidou com a ganância e com o oportunismo, mas também, contribuiu para que pessoas de valor pudessem dar o seu contributo para a região. A política atrai tudo e todos, tanto os de refinado pedigree, como a mais infame trupe. Assim, o poder pode alicerçar-se na força, por vezes, bruta; mas, é inegável que, na nossa região, muitos seguem Jardim pela autoridade (força natural e merecida) e admiração (reconhecimento de mérito). Sejamos honestos, em reconhecer isto.
Quanto a Lenine, vou lançar um mote provocador: sabiam que Lenine, o marxista, era um governante de um vigor pragmático que merece atenção? Lenine era um intelectual na verdadeira acepção do termo, ele conhecia o Capital, de Karl Marx, mas não só, era um leitor ávido, um excelente orador e comunicador do povo.
Quem conhece Lenine, sabe que foi uma figura autoritária, que cometeu erros atrozes - qualquer erro que conduz à morte ou à opressão é atroz -, mas o que poucos conhecem, é que Lenine preocupava-se sobre as consequências das suas políticas e reflectia genuinamente sobre estas. Lenine percebeu, infelizmente tardiamente, que a colectivização da produção agrícola foi um grande erro. Não pensem que isto é coisa de somenos, para nós pode parecer evidente, para Lenine não era, de todo.
Ele foi um pensador político, profundamente embrenhado no marxismo, a ideia que o "mercado" e "livre iniciativa" eram uma "boa ideia" é uma profunda afronta ao marxismo, aliás, muitos seguidores de Lenine pensaram isso mesmo, a ideia de "livre iniciativa" era uma verdadeira heresia.
Lenine, apesar destes entraves e bloqueios, seguiu o seu instinto pragmático, ele desistiu do marxismo nesta área, porque queria produzir um bom resultado, isto é, queria melhores condições de vida para os seus muitos milhões de compatriotas.
Isto é muito relevante, e é um excelente exemplo. Um político, um bom governante, tem de ter espírito pragmático. Ficar preso a dogmas, a princípios artificiais, pode ser contra-producente. Não nos esqueçamos que Lenine, matou e persegui por que tinha "valores e princípios", e, depois, tentou fazer tudo para dar liberdade e iniciativa ao seu povo, porque estava convencido que isto seria o melhor para o povo que governava, nada mais simples.
Digamos, Lenine, chegou tarde a esta conclusão, como todos sabemos, mas, no mínimo, o que devemos fazer é aprender com os erros e virtudes de Lenine. Se ele errou, e, depois, conseguiu "abrir os olhos", nós também conseguimos.

António B. Ferreira

Nenhum comentário:

Postar um comentário